sábado, 8 de outubro de 2011

Da invenção da infância

A irrupção da revolução industrial no final do século XVII e início do século XVII, deflagrou não somente o crescimento político, financeiro e populacional das cidades e a decadência do poder rural e do feudalismo remanescente desde a Idade Média, mas também a consolidação da burguesia enquanto classe social. Tal modificação reconfigurou radicalmente as formas de constituição da sociedade, pois, se antes a divisão em classes era estática, estável e predeterminada pela linhagem, após a ascensão da burguesia, tornou-se móvel, instituindo-se a possibilidade de vir a ser.
A possibilidade de vir a ser gerou, por sua vez, uma nova forma de compreensão da infância, uma vez que se tornou necessário estabelecer uma etapa preparatória para o ingresso do homem no sistema produtivo. A criança passou então a representar a promessa de futuro e, sendo assim, deveria ser aparelhada, moldada para se transformar em algo grandioso. Desse modo, tornou-se imperativa a criação de múltiplos equipamentos para sua regulação, controle e cuidado etc. Dentre tais equipamentos – ou tecnologias – está a literatura infantil/juvenil: um instrumento da escola com objetivos sobretudo didáticos e moralistas.
O vínculo estreito da literatura infantil/juvenil com a pedagogia desde o seu surgimento, especificamente com a instituição que foi reelaborada em decorrência da ascensão da burguesia e da modificação do conceito de família, resultou de uma necessidade da ordem burguesa em estabelecer normas de convivência, comportamentos, modos de ser, de viver e de fazer, com vistas a preparar as crianças para o ingresso futuro no sistema produtivo. Para tanto, os contos da tradição oral que foram recolhidos e adaptados se constituíram em histórias exemplares para crianças burguesas: um lobo mau poderia devorar aquelas garotinhas que fossem desobedientes e curiosas; os preguiçosos e dionisíacos, tal qual a cigarra, corriam o risco de morrer de fome e de frio.
Essa mesma pulsão pedagógica continua em alguma medida direcionando, na contemporaneidade, não apenas a produção das obras e a elaboração de cânones destinados à infância e à adolescência, mas também os tipos de abordagens a serem ativados quando da sua leitura.  

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